Essas são as iniciais de mais uma vítima do descaso.
No último mês, ao passar por Arapongas, enquanto fazia o trajeto entre Maringá e Londrina, deparei-me com uma cena chocante. Um corpo estendido no asfalto, coberto por uma lona preta, apenas um par de tênis rosa à mostra. A jovem, de 18 anos, conduzia uma motocicleta e fora atingida por um carro quando tentava cruzar a rodovia para chegar à indústria Penacchi, onde trabalhava. Equipes do Samu foram até o local para tentar salvar a vida da moça, mas não tiveram sucesso.
A perda de uma vida tão jovem, que por si só já seria motivo de grande tristeza, ganha contornos ainda mais revoltantes devido ao local onde aconteceu a tragédia. A Pennacchi fica em uma região com grande concentração de indústrias, no quilômetro 5 da PR-444,. Essa é uma das rodovias que fazem parte do chamado Anel de Integração do Paraná. Apesar de contar com pista dupla, a rodovia não recebeu nenhuma outra melhoria que aumentasse a segurança dos usuários nesses quase 16 anos de concessão à iniciativa privada.
A falta de melhorias se estende para a grande maioria dos aproximadamente 2.500 quilômetros de estradas deste anel viário, entregue a seis empresas concessionárias, que passaram a ser responsáveis por sua administração. Para isso, ganharam o direito de cobrar pedágio dos usuários das rodovias. Em contrapartida, teriam que realizar uma série de investimentos para melhorar a qualidade e aumentar a segurança das estradas.
Mas inúmeros aditivos acabaram por alterar as exigências previstas nos contratos originais. Com isso, chegamos hoje a uma situação em que temos pedágios com preços altíssimos no Paraná. Pior do que isso, uma série de obras fundamentais para aumentar a segurança nas rodovias foram postergadas.
Não me refiro apenas a grandes obras, como a implantação de terceiras faixas ou duplicações dos trechos com maior fluxo de veículos. Refiro-me a obras menores, especialmente em trechos urbanos. Como no exemplo citado, é inadmissível que trabalhadores, fornecedores, prestadores de serviço e clientes de uma indústria como a Pennacchi – uma das mais importantes de sua região – tenham que se arriscar ao cruzar uma rodovia movimentada para ter acesso à empresa. Em casos como esse, deveria ser obrigação das concessionárias construir trincheiras ou outros acessos mais adequados, que não colocassem em risco a vida das pessoas. A não realização dessas obras é uma prova do descaso e da falta de atenção com a população.
Alguns números que têm sido apresentados na CPI dos Pedágios, em andamento na Assembleia Legislativa, reforçam a tese de que essas obras poderiam – e deveriam – ter sido feitas. Eles indicam que, em 14 anos, as concessionárias teriam arrecadado R$ 20 bilhões, mas investido apenas 15%, aproximadamente R$ 3 bilhões. O mesmo relatório aponta que, em 2012 e 2011, o número de mortes nas rodovias pedagiadas foi de 850 e 722, respectivamente, comprovando os danos que a falta de investimentos continua causando para a sociedade.
Os representantes das concessionárias certamente vão alegar que cumprem apenas o cronograma de obras previsto nos contratos e, por isso, não fazem todas as intervenções que nós, usuários das rodovias, consideramos necessárias. Entra aí, então, o descaso das autoridades. O governo do Estado, enquanto poder concedente, tem o direito e a obrigação de cobrar a realização de obras que garantam a segurança da população.
Não é certo promovermos uma caça às bruxas, que tente apontar de quem foi a culpa para chegarmos a um cenário de altos preços de pedágio com baixos investimentos. A gestão atual também tem buscado a negociação com as concessionárias. Mas independente disso, tanto o governo atual quanto os passados devem ser responsabilizados pela insegurança de nossas rodovias. Quantas vidas ainda serão ceifadas com este grau de irresponsabilidade?
É preciso ficar claro também que não contesto a concessão de serviços públicos à iniciativa privada, já que ela tem mais condições e agilidade justamente para realizar esses investimentos. Mas chega a ser absurdo que, ao longo de todo esse processo, entrando governo e saindo governo, não tenhamos nenhum ajuste nos contratos que levem em conta a segurança nas estradas e o peso que o pedágio tem para todos os paranaenses. Os altos valores cobrados geram custos adicionais para nossas empresas e afetam diretamente a competitividade do setor produtivo do Estado.
Atualmente, a Assembleia Legislativa, com uma CPI instalada para investigar o tema, tem a responsabilidade de dar respostas à sociedade. Precisamos aproveitar este momento para dar mais transparência aos contratos de concessão de rodovias no Paraná e estudar, com seriedade, a revisão deste modelo nocivo implantado no Estado. Enquanto isso não acontece, vidas como a da jovem F.G.M.C. vão continuar sendo perdidas para o descaso.
Edson CAMPAGNOLO
Presidente do Sistema Fiep