Nasce uma nova consciência política nas indústrias
Empresas adotam práticas que estimulam o debate e ampliam o conhecimento político dos funcionários
Um novo hábito surgiu na vida de Lubina Barbosa. Costureira, duas filhas, a leitura dos recortes de jornal afixados nos dois quadros murais do refeitório da Malharia Alvorada, onde trabalha, tornou-se obrigação diária. Uma obrigação que não foi imposta por ninguém, mas que nasce de sua própria consciência. Lubina adquiriu gosto pelo debate político. “Acho importante, este trabalho vai ajudar a conhecer melhor os candidatos”, avalia.
Lubina é funcionária da Malharia Alvorada, localizada em São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba, e assim como os 40 colegas de trabalho, incluiu a discussão dos assuntos do mundo da política em sua rotina diária. Os quadros de feltro verde existentes no refeitório são povoados por informações sobre sanguessugas, mensalões, dossiês forjados, operações especiais da Polícia Federal e listas. Listas de deputados que participaram de falcatruas, de senadores que compraram votos, de potenciais candidatos que venderam vagas. Longe de afastar os funcionários, o noticiário fez do local um ponto de encontro para o livre debate político.
A responsável por despertar entre os funcionários este interesse é a proprietária da indústria. Entusiasta da Rede de Participação Política do Empresariado – um movimento criado pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), em parceria com a Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Paraná (Faciap), Adelir de Fátima Bet Carbonar freqüenta desde o início as atividades promovidas pelo movimento. Após cada palestra, simpósio ou reunião promovida pela Rede, ela se reúne com os funcionários da malharia para debater os temas apresentados.
Outra iniciativa que adotou foi comprar dois quadros de feltro verde, pendurá-los na parede do refeitório e fazer de ambos um centro de referência para atividades de conscientização política. Pela manhã, antes de deixar sua casa para ir à empresa, Adelir lê atentamente os jornais diários, recorta as notícias que considera relevante, escreve um comentário sobre cada uma e afixa o material nos murais. “Os funcionários estão muito satisfeitos. Na hora do almoço é uma discussão só”, festeja.
Amostra
As atividades que Adelir vem desenvolvendo em sua indústria são uma pequena amostra de um fenômeno que está se estendendo por todo o país. A mobilização promovida pela Rede de Participação Política do Empresariado tem multiplicado iniciativas semelhantes em empresas espalhadas por todo o território nacional, favorecendo a conscientização política de um número cada vez maior de brasileiros.
Um exemplo é a Milênia Agrociências, de Londrina. Cada um dos seus 800 funcionários recebeu um exemplar do Guia do Voto Responsável e foi estimulado a levá-lo para casa e debatê-lo com parentes e vizinhos. Além disso, a empresa espalhou quadros murais nos corredores, restaurante e áreas de lazer. Assim como na Malharia Alvorada, neles destacam-se notícias relativas à cena política do país e orientações sobre a importância do voto responsável.
De nada adianta, contudo, pensar nas grandes questões da política nacional e esquecer de um elemento fundamental para a produção da mudança: as pessoas. Informá-las constitui dimensão imprescindível deste processo de tomada de consciência. Iniciativa que a Milênia adotou neste sentido foi introduzir informações sobre política no seu jornal mensal, o Viver Comunidade, distribuído para cerca de 900 residências localizadas no entorno da fábrica.
Uma grande empresa do setor alimentício do Noroeste do Paraná também engajou-se neste processo de promoção da consciência política entre os funcionários. Além de distribuir publicações como o Guia do Voto Responsável, especialmente entre gerentes e encarregados, que atuam, a partir de então, como “agentes multiplicadores”, a companhia promove palestras com candidatos às próximas eleições. Nestes encontros, uma coisa fica bem clara: os funcionários da empresa não estão atentos apenas às promessas de campanha. Também não se interessam, apenas, em digitar o número do escolhido na urna eletrônica. Vão fiscalizar a atuação dos eleitos e cobrar o cumprimento do que foi prometido.
Padrão
Estas experiências adotadas pelas empresas nascem da percepção de que a participação política do empresariado mudou de padrão. Não pode mais estar restrita ao mero financiamento de campanhas e à defesa de interesses econômicos setorizados, simbolizada na figura dos lobbies. “À responsabilidade econômica e social do empresariado acrescenta-se, agora, a responsabilidade política”, afirma o presidente da Fiep, Rodrigo da Rocha Loures. “É preciso mobilizar a sociedade para debater os problemas do nosso sistema político-eleitoral e, a partir daí, propor soluções”.
Para Loures, apenas uma nova maneira de fazer política, democrática e depurada de males como o centralismo, assistencialismo, patrimonialismo e paternalismo, pode colocar o país na senda do desenvolvimento sustentável. O mundo atravessa um momento de célere prosperidade. Entre os chamados Brics – bloco de países considerados emergentes formado pelo Brasil, Rússia, Índia e China – apenas a letra “B” vem fazendo feio. De acordo com as estimativas do Fundo Monetário Internacional, o Brasil terá crescimento de míseros 3,6% em 2006, o pior da América Latina. Para que se tenha uma idéia, a vizinha Argentina tem expansão prevista de 8% para este ano. Para avançar nesta corrida, o país precisa criar um ambiente econômico que favoreça o empreendedorismo, a criatividade e a eficiência, qualidades incompatíveis com mensalões e sanguessugas.
Esta constatação foi um dos motivos que levou à criação da Rede de Participação Política do Empresariado. Em cinco meses de atividade, ela produziu publicações que vêm se tornando referência no país, como o Guia do Voto Responsável, o Teste do Voto Responsável, a Agenda Estratégica para o Brasil e o Termo de Compromisso do Candidato, todos disponíveis na página www.redeempresarial.org.br. Além disso, realiza palestras, simpósios e promove cursos, como o Programa de Formação Política, lançado dia 22 de setembro e que, numa primeira fase, contou com cerca de 2 mil participantes de vários estados brasileiros.
Fortalecimento
“Esta mobilização é fundamental”, considera Luis César Guedes, diretor de Assuntos Corporativos da Milênia. Presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina (Abifina), entidade que reúne 30 pesos-pesados do setor no país ? entre os quais Petrobrás, Ipiranga e Libbs ? Guedes tem noção muito clara da íntima relação entre os ambientes político e econômico. “Os empresários também são cidadãos e têm um importante papel a desempenhar neste processo de renovação da política”, declara o dirigente.
Iniciativas como as que vêm sendo adotadas por indústrias dos mais variados setores e tamanhos, como a Malharia Alvorada e a Milênia, são reveladoras de que algo já está mudando no país, e para melhor. Aos escândalos que se sucedem no noticiário contrapõe-se a percepção, cada vez mais clara e urgente, de que uma reação da sociedade é necessária. E está acontecendo. “Havia um tempo em que estes assuntos não eram levados à imprensa”, lembra Guedes, referindo-se aos anos de chumbo do período de exceção. “As instituições estão se fortalecendo. É uma caminhada e certamente dentro de alguns anos este será um país mais justo, com melhor consciência cívica”.